O começo

 

Eu tinha nove anos de idade quando meu obsessor me encontrou.

 Minha mãe havia falecido a pouco tempo, de uma doença que a fazia ser operada muitas vezes, boa parte de minha infância foi vê-la doente ou não a ver.
Na época eu não tinha mais nenhum contato com a família de minha mãe, a quem eu tinha muito amor. A família de meu pai, eu nunca gostei, exceto minha tia, que tem um coração enorme, mas para meu azar, se mudou para bem longe. Minha família se resumia a meu pai, meu irmão, um amigo do meu irmão que era quase um irmão para nós. Não havia ninguém próxima de mim.

Passei boa parte desse período tentando manter os sentimentos pesados para mim, não queria que meu pai chorasse e nem meu irmão, a quem todo mundo sempre defende e acolhe, incluindo eu. Me fechar, com tamanha dor por ter perdido meu único elo com o feminino, com o carinho, me deixou tão vulnerável. Apesar da minha preocupação, meu pai simplesmente não conseguia se manter ao meu lado sem me distratar ou bater. Não havia ninguém, exceto meu obsessor, que viajou e rondou por anos pela realidade, como um espírito, para achar sua vingança.

O que me mantinha um pouco sã, era a memória de minha mãe, que eu fiz questão de relembrar tantas vezes. Até mesmo a textura de sua perna e o cheiro, em um dia que deitei a cabeça em sua coxa, pois sabia que ele iria morrer e eu queria guardar para mim um pedaço dela. Eu tinha oito quando ela faleceu. Eu tinha sete quando meu irmão disse que ela podia morrer e nunca mais voltar. Eu tinha acabado de completar seis, quando minha mãe pediu desculpas por não ter feito minha festa de aniversário, e feito um bolinho colorido para estar ao lado do bolo do meu irmão. Eu odiava ver minha mãe sofrendo ou triste, então disse a ela que festa de aniversário era coisa de criança. Se não fosse por minha mãe, eu não acho que teria sobrevivido ao obsessor.

Aos poucos vou contanto as coisas da vida. Seja o que eu vivi ou como as coisas estão agora. Eu sei que em algum lugar alguém vai ler e entender o que é ser uma anomalia. Que eu não deveria existir. Mas eu mereço estar aqui, se eu tenho a força que tenho, os poderes mediúnicos e magia como tenho, é por chegar tão perto da morte tantas e tantas vezes.

A primeira vez que tive uma visão com a morte eu tinha seis anos. Enquanto todos rezavam para minha mãe, em um círculo, de mãos dadas. Eu vi o rio preto na caverna, as caveiras de prata fosca, o rio negro correndo. Eu sabia que ele iria morrer, eu nunca contei isso para ninguém, apenas depois... anos depois, quando eu conheci o mundo espiritual e entendi o que era.

Eu tinha trinta e três quando tiraram de mim esse obsessor. 

Foram vinte e quatro anos de terror e prisão. 

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